Invadindo o Pavilhão dos Grandes
Em uma reunião com os dirigentes de todos os times, o presidente do Corinthians falou que era fácil decidir quem seria o campeão: era só jogar uma moeda para o alto. Se der cara, é o Corinthians, se der coroa é o Palmeiras. Ao ser questionado pelo dirigente do São Paulo quanto ao seu time, ele respondeu: Se parar no ar é a Portuguesa, se cair em pé é o São Paulo.
A década de 40 foi incrível para o São Paulo. Desde que Friedenreich se apostentou, em 1936, aos 43 anos, o time buscava um grande ídolo. E em 1942 ele chegou: o Homem Borracha, o Diamante Negro, Leônidas da Silva, de 29 anos. Pagou-se 200 contos de réis por ele ao Flamengo, a maior transação entre times sul americanos até então. Era tido como um jogador acabado, e queria provar que não era nada disso.
Foi organizado um amistoso no Pacaembu, contra o Corinthians, para sua estréia. O time empatou por 3 a 3, com atuação apagada do craque. O impressionante mesmo foi o público: 70 mil pessoas, um recorde até hoje. E uma piada castigou os são paulinos. Diziam que Brandão, volante corintiano, havia sido preso. Motivo? Foi pego com um diamante no bolso.
Antes de engrenar, o São Paulo apostou em um novo jogador. Antônio Sastre, de 32 anos, veio do Independiente. Era um dos astros da Seleção Argentina. Porém, sua estréia, assim como a de Leônidas, foi ruim: 3 a 1 para o Fluminense, no Estádio das Laranjeiras. Depois, perdeu por 2 a 1 para o Corinthians e passou a ser chamado de Antônio DESASTRE, por rivais, mesmo sendo o grande astro da Seleção Argentina, que eram os reis do futebol naquela época, ao lado do Uruguai.
Rapidamente, porém, percebeu-se que o desastre seria para os adversários. Com um futebol adiantado para a época, se movimentava muito por todo o ataque e dava combate. Era um cultor do passe certo, dando passes milimétricos para Leônidas & CIA. Tinha bom drible e bom chute.
Se quisessem lhe dar um apelido, seria bom ir estudar espanhol: Sastre em espanhol significa Alfaiate. E com esse estilo de jogo artesanal, em seu terceiro jogo a equipe goleou o Santos por 6 a 1, com gols de Leônidas (3), Remo (2) e Luisinho.
Em uma revanche contra o Fluminense, ele marcou seu primeiro gol, na vitória por 3 a 1. Depois, a Portuguesa Santista foi massacrada por 8 a 1, e várias vitórias seguidas começaram a aparecer: o Palmeiras caiu por 2 a 1, São Paulo Railway também, assim como Comercial da Capital e Ypiranga. O Jabaquara perdeu por 3 a 2 e a Portuguesa, 3 a 0.
Então, foi em um jogo contra a Portuguesa Santista que um jogador marcou o maior número de gols pelo São Paulo. Sastre fez 6 gols, aos 10 e aos 44 do primeiro tempo, depois aos 7, 28, 38 e 43 do segundo. Teixeirinha (2) e Luisinho completaram. Leônidas não jogou. E se jogasse?
Eram oito vitórias e vieram outras: Juventus perdeu por 3 a 2, Corinthians por 2 a 0 e Santos por 4 a 1. Agora era o jogo final. São Paulo e Palmeiras. Só em caso de derrota o São Paulo deixaria de ser campeão, sendo obrigado a disputar um jogo extra.
O jogo estava cercado de polêmicas. No ano anterior, um decreto de Getúlio Vargas dizia que toda sociedade que mostrasse, pelo nome, simpatia pela Itália ou pela Alemanha deveria procurar outra nomenclatura. Foi assim que o Germânia virou Pinheiros, Palestra Itália-MG se tornou Cruzeiro e Palestra Itália-SP se tornou Palmeiras. Os palmeirenses diziam que foi tudo armação do São Paulo, que aproveitou-se do sentimento de revolta contra Hitler e Mussolini e queria tomar o estádio Palestra Itália para si.
O jogo terminou em 0 a 0. O título era são paulino, e teve até carro alegórico, com uma moeda gigante parada em pé.
Depois do título em 1943, vieram outros, em 45, 46, 48 e 49. de 1943 a 1947, o São Paulo atuou em 101 jogos, sendo 77 vitórias, 18 empates e 6 derrotas. Dentre tantas vitórias, uma serviu para amenizar a perda do título de 1944.
A vítima foi o Santos, que caiu por 9 a 1, de virada. Solar marcou pelo Santos, enquanto Pardal, aos 27 e 38, e Remo, aos 42, viraram ainda no primeiro tempo. Depois, o São Paulo realmente começou a trucidar o adversário. Tim aos 3, Luizinho aos 11, Tim aos 17, Luizinho aos 27, Sastre aos 37 e Remo aos 42 mostraram sua força. O goleiro Joãozinho e o zagueiro Gradim, abalados pela lavada, saíram do time. Foram defender o Jabaquara. E se arrependeram.
Em 14 de julho de 1945, entraram novamente para a história. Foi a maior goleada da história do Pacaembu. 12 a 1. Leônidas fez quatro gols, Teixeirinha três, Remo quatro e Barrios completou. Quando o time perdia por 8 a 0, Radim fez o gol de honra de seu time. Nesse ano, o Tricolor ganharia o Paulistão com 16 vitórias, dois empates e uma derrota. Em 1946, houveram muitas mudanças, e a principal delas foi a saída de Zezé Procópio, parceiro de Leônidas na Copa de 1938, e a efetivação de Bauer, maior revelação da história do São Paulo, como titular. Formou com Rui e Noronha a melhor intermediária da época.
O título veio na última rodada. Em caso de vitória, ganharia o título. Um empate lhes dava um jogo extra contra o Corinthians, e com uma derrota o título ficava com o Alvinegro. O adversário era o Palmeiras. Luizinho, um dos ídolos são paulinos, jogava no São Paulo da Floresta de 1930 a 1934. Quando este se extinguiu, foi defender o Palmeiras. Em 1940, voltou para o São Paulo. E passou a ser odiado por palmeirenses. Luizinho era baixinho, veloz e com bom chute, além de muito temperamental. Logo aos quinze minutos, atingiu o goleiro Oberdan e uma grande briga tomou conta do Pacaembu. Luizinho, Remo, Villadoniga e Og Moreira foram expulsos. Dois a menos para cada lado. Não foi bem assim.
O raçudo zagueiro argentino Renganeshi foi atingido na briga e perdeu as condições físicas de atuar normalmente. Como naquela época substituições não eram permitidas, foi fazer número na ponta esquerda. Com oito contra nove, tudo ficou a favor do Palmeiras. O São Paulo defendia-se de forma heróica, segurando o empate que lhes daria a oportunidade do jogo extra contra o Corinthians. Todos se calaram quando, aos 38 minutos, Bauer chuta de longe, a bola toca no travessão e vai parar em ninguém menos que Renganeshi. Parado ali, sem ângulo, arrastando a perna, ele arriscou o chute. Foi gol. E Renganeshi fez seu único gol em 110 jogos pelo São Paulo, do primeiro bi campeonato do clube, o gol do título.
Foi o jogo de despedida de Sastre, que deixava o clube após 127 jogos e 53 gols marcados. Luizinho faria apenas um jogo em 1947 e se aposentaria. Duros desfalques, e a máquina começa a ser remontada. Santo Cristo, Ponce de Leon, China, Américo e Neco chegam. Ponce de Leon era o melhor. Driblava como ninguém.
E em 1948, o São Paulo recebeu o Torino. Era o maior time do mundo. Tetra campeão italiano. Excursionava pelo mundo, derrotando quem ousasse enfrenta-lo. Placar final? 2 a 2, com dois gols de Ponce de Leon. Em 21 de março, Vicente Feola, que ainda seria campeão mundial pelo Brasil em 58, lança no lugar do experiente Renganeshi, de 36 anos, um jogador da metade de sua idade. Mauro Ramos de Oliveira, com 18 anos então. Os antigos dizem: “Mauro não cabeceava a bola. Ele subia e, com a cabeça, dava precisos passes aos companheiros.”
Em 1949, o São Paulo foi arrasador. Friaça chegou do Vasco. Tinha bom cruzamento e um chute venenoso. Era ponta direita. Nesse ano, fez 31 gols no total, sendo 24 no Paulistão. O São Paulo, muito mais. Foram 70 gols em 22 jogos. Mais de três por jogo. Teria que sofrer quatro gols por jogo para ser batido. Só perdeu quando o ataque não funcionou, contra o Santos (1 a 0) e XV de Piracicaba (2 a 0).
No ano seguinte, em 16 de julho, Friaça fez o gol mais inútil da história do Brasil. Fez o gol que colocou a seleção em vantagem contra o Uruguai, mas que com gols de Schiaffino e Ghigia, virou o marcador e levou o título.
O título de 1949 foi o último de Leônidas com o São Paulo. Em 1950, jogaria apenas um jogo, fazendo o primeiro gol do jogo contra o Botafogo, que terminou em 5 a 4 para o São Paulo. Depois de 210 jogos, 142 gols, 136 vitórias, 38 empates e 36 derrotas, com um aproveitamento de 74,2%, Leônidas deixava o São Paulo e uma das mais brilhantes carreiras de um jogador brasileiro. Foi comentarista esportivo. Morreu em 2004, com mal de Alzheimer, aos 90 anos. Não se lembrava de nada de sua carreira gloriosa. Não se lembrava que era Leônidas da Silva, o artilheiro da Copa de 1938. O Diamante Negro. O Homem Borracha. O inventor da bicicleta. Não fazia idéia que era conhecido no mundo todo. Que um dia mais de 10 mil pessoas foram espera-lo em uma estação de trem. Que 70 mil pessoas foram a um estádio ver a sua estréia.
E talvez, se soubesse o que era uma moeda, duvidaria que ele, como um mágico, um ilusionista, fez com que uma parasse em pé. E mais do que isso, como um Cupido Negro fez um grande time encontrar seu destino glorioso.