O Início do Sonho

Ter um estádio tão grande quanto seus sonhos era uma das ambições do São Paulo. O pequeno Canindé – adquirido em 1944 e vendido em 1955 para quitar dívidas e investir em material de construção – era usado apenas para eventos sociais e treinos, e o Tricolor não queria ficar restrito ao Pacaembu. Pensando nisso, Cícero Pompeu de Toledo começou a pensar na construção de um estádio particular. Mas não um modesto estádio, e sim o maior estádio particular do mundo. Nasceu sob a frase “Se é um sonho, que seja grande.”

 

A primeira vez que a equipe tentou adquirir uma área para construção foi em 1951, quando o São Paulo tentou adquirir a área que hoje é o Parque do Ibirapuera junto á prefeitura, idéia barrada pelo vereador Jânio Quadros. Então, Cícero Pompeu de Toledo e o diretor de futebol Luís Aranha conseguiram uma entrevista com o presidente da Imobiliária Aricanduva. Nessa reunião, o presidente da Aricanduva aceitou doar um lote de 99.873 metros quadrados, em 1952, e outro de 25.936 metros quadrados, em 1959. Em 1965, o São Paulo comprou a parte final, de 29.854 metros quadrados.

 

Em 1952, Cícero Pompeu de Toledo procurou Laudo Natel, diretor do Bradesco, propondo-lhe que assumisse administrativamente o clube. Em 15 de agosto, Cícero lançou a pedra fundamental da construção do Morumbi, maior estádio particular do mundo até a reforma do Nou Camp, estádio do Barcelona, para a Copa de 1982.

 

Mas a construção do estádio foi muito mais cara e dispendiosa do que havia sido planejada e levou 18 anos para ficar pronta. Os nomes eleitos para conduzir o São Paulo na duríssima missão foram: Piragibe Nogueira (vice presidente), Luís Cássio dos Santos Werneck (secretário), Amador Aguiar (tesoureiro), Altino de Castro Lima, Carlos Alberto Gomes Cardim, Luís Campos Aranha, Manuel Raimundo de Pais Almeida, Osvaldo Artur Bratke, Roberto Gomes Pedrosa, Roberto Barros Lima, Marcos Gasparian, Paulo Machado de Carvalho e Pedro França Pinto Filho.

 

A luta pela arrecadação de dinheiro e materiais para construção do estádio foi infinita. Até os jogadores ajudavam, vendendo cadeiras cativas. O goleiro Jose Poy, ídolo do São Paulo, aproveitou-se de sua carisma junto ao público e se tornou o maior vendedor de cadeiras cativas do São Paulo.

 

Com todo o esforço concentrado no estádio, o time passou muito tempo com equipes apenas modestas. Em 1957, Cícero Pompeu de Toledo se afasta do cargo de presidente por problemas de saúde. Ele viria a falecer dois anos depois, mas como prêmio seu maior sonho estaria realizado. E o estádio ainda levaria o seu nome.

 

Para substituí-lo, foi chamado Laudo Natel, sem dúvida o maior presidente da história do São Paulo, ao lado de Cícero. Como o dinheiro era curto, o estádio foi inaugurado parcialmente em 12 de outubro de 1960, em um amistoso contra a equipe portuguesa Sporting Lisboa. O São Paulo venceu por 1 a 0, com gol de Peixinho. Aí é um fato curioso.

 

Aos 12 minutos de jogo, a bola é cruzada na área. O atacante Peixinho percebe que não chegaria a tempo para cabecear a bola e mergulha. Estava nascendo o cabeceio conhecido como Peixinho.

 

Apesar da grandiosidade que era o projeto do estádio, sem dúvida a década de 60 foi a pior para o São Paulo. A equipe, sempre com times fracos, teve apenas lampejos, pouco incomodando os adversários. Para piorar, foi nessa época que o Santos e o Palmeiras surgiram com suas máquinas de futebol. Pelo menos o Corinthians estava em péssima fase...

 

Apesar da inauguração parcial em 12 de outubro, o estádio ainda precisava ser finalizado. Faltava o outro lado do anel das arquibancadas. Assim, não foi possível investir em jogadores.

 

Apesar das equipes modestas, o tricolor viveu um dia de glória. Em 25 de janeiro de 1961, era aniversário de São Paulo. O Tricolor jogava um jogo em Buenos Aires contra o poderoso Boca Juniors. Esperava-se uma goleada. Foi. 5 a 1. 5 a 1 para o Tricolor do Morumbi, em pleno La Bombonera.

 

Com isso, a equipe começou a sonhar alto para o Torneio Rio-São Paulo, sendo eliminada ainda na primeira fase. No paulistão, apostando na dupla Canhoteiro-Gino, fez uma campanha dentro de suas possibilidades e ficou em terceiro lugar.

 

Sem dinheiro para contratações, a equipe decidiu apostar em um grande treinador para a temporada de 1962. Aymoré Moreira foi ponta direita, virou goleiro e não teve sucesso dentro do campo. Abandonou a carreira e virou técnico. Virou um gênio. Tanto que o time renasceu logo de cara e foi vice campeão do Rio-São Paulo. A confiança voltou, assim como a esperança de acabar com o jejum de cinco anos. Mas eis que surge a CBD e chama Aymoré para treinar a seleção na Copa de 1962. O tricolor não queria, mas acabou aceitando com a condição de que ele voltasse após o Mundial.

 

Mas um corte mal explicado findou a relação Aymoré-São Paulo. O atacante Benê, um dos poucos destaques da equipe no ano, foi cortado ás vésperas da Copa. Os dirigentes ficaram revoltados, afinal, como ele poderia mandar embora um jogador da própria equipe? Muitas explicações foram dadas, mas nada que impedisse o rompimento nada amigável entre as duas partes.

 

Para substituí-lo, foi chamado outro grande treinador: Osvaldo Brandão. Jogou no Palmeiras quando mais jovem, e quando se tornou técnico, venceu três Paulistões, dois Rio-São Paulo e uma taça Brasil, o correspondente a um Brasileirão.

 

Brandão ficou dois anos no tricolor, mas não foi capaz de recolocar a equipe nos trilhos, mesmo tendo ganho o reforço de Bellini na zaga.

 

Em 1963, o São Paulo decidiu aceitar um convite para jogar a Pequena Taça do Mundo na Venezuela, e a prioridade foi dada ao torneio. Boa decisão. Após bater o Porto (POR) por 2 a 1 nas semi finais e o Real Madrid por 2 a 1 na finalíssima, o São Paulo levou o caneco. Voltando ao Paulistão, o Tricolor fez boa campanha, mas perdeu o título para o Palmeiras. Mas um jogo em especial jamais sairá da memória do torcedor brasileiro.

 

Foi em 14 de agosto, no Pacaembu. O Santos, com sua máquina de futebol liderada por Pelé, era atual campeã Mundial e base da seleção. Mas, quando a bola rolou, quem deu as cartas foi a equipe do Morumbi.

 

Tudo começou aos 40 minutos do primeiro tempo. O São Paulo tinha acabado de fazer 3 a 1 com Sabino. Pelé e Coutinho foram reclamar e acabaram expulsos. No segundo tempo, Pagão fez 4 a 1, e Aparecido, Pepe e Dorval, do Santos, simularam ter se contundido e saíram de campo. Como na época não eram permitidas substituições e o Santos tinha seis jogadores em campo, um a menos que o permitido, a partida foi finalizada no meio do segundo tempo e a vitória São Paulina foi decretada.

 

“Foi um dia inesquecível. Nós pedíamos para o Santos parar com o cai-cai e voltar ao campo e jogar bola, mas eles não queriam nem saber e fugiram da partida”, lembra Roberto Dias, na minha opinião o maior volante da história do São Paulo. Naquele ano, o Palmeiras ganharia o Paulistão.

 

Em 1964, Osvaldo Brandão foi dirigir a seleção e Jose Poy foi chamado. Com o dinheiro todo indo para a construção do Morumbi, o São Paulo começou a aceitar convites para atuar no exterior. Venceu um triangular contra Alianza, campeã de El Salvador e Slovan Bratislava, da Tchecoslováquia. Depois, disputou um torneio no México e teve fraca campanha, com uma vitória, um empate e duas derrotas. De volta ao país, disputou o Rio-São Paulo e terminou em décimo lugar dos dez participantes. Nem a volta de Osvaldo Brandão fez o time melhorar. Com o fraco momento, Oto Vieira chegou e Brandão foi embora. O Tricolor foi disputar um triangular na Itália, contra o Fiorentina e o Zenit. Ganhou de ambos e foi campeão. Depois, em um amistoso contra o todo-poderoso Milan, a equipe venceu em pleno San Siro. No Paulistão, veio a surpresa: 11 jogos sem perder na primeira fase, mas era só uma falsa impressão. Após derrota para o Santos, a equipe começou uma série interminável de tropeços e terminou na quinta colocação.

 

Em 1967, já não existia mais o Rio-São Paulo. Foi criado o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, conhecido popularmente como Robertão. Foi o antecessor do Brasileirão.

 

A competição era nova, mas o São Paulo terminou na modestíssima quinta colocação e não se classificou para a fase final. Já no Paulistão, foi talvez o melhor momento da década. Sílvio Pirillo chegou para treinar a equipe, que entrou firme na disputa e chegou á última rodada precisando de apenas uma vitória para poder soltar o grito de campeão. Mas não teve jeito e o empate por 1 a 1 com o Corinthians obrigou o São Paulo a um jogo desempate com o Santos, que levaria o título após um dois a um. Desespero para todos os tricolores.

 

Outro importante momento foi em 1968. O Benfica-POR, era a base da maravilhosa seleção Portuguesa que encantou o mundo em 66. Tinha Eusébio, melhor jogador da história de Portugal. E o São Paulo teve a audácia de marcar um amistoso contra esse timaço.

 

Os torcedores lotaram o Morumbi para ver um jogaço. Bellini, melhor jogador da equipe depois de Dias, tinha ido para o Atlético PR, onde encerraria a carreira. Mesmo enfraquecido, o São Paulo fez uma partida inesquecível, para encher o mais pessimista torcedor de esperança. Cruz, aos 33 minutos, abriu o placar para o Tricolor. Eusébio, porém, empatou aos 2 minutos do segundo tempo. Cinco minutos depois, Renato pôs o São Paulo na frente, mas Eusébio empatou o jogo de novo. A situação se complicou quando o lateral Nenê e o meia Edílson, do São Paulo, foram expulsos. Mas com muita raça, Ismael, aos 33 minutos, fez 3 a 2. E fim de jogo. A máquina Portuguesa estava derrotada.

 

Parecia que logo o São Paulo recomeçaria a ganhar títulos. O Morumbi já estava quase pronto, o melhor time do mundo não foi páreo para o São Paulo, que estava com dois a menos, e um ponta direita de muita qualidade chegou á equipe. Tertuliano Severiano dos Santos, o Terto, era muito raçudo e tinha bom drible. Ninguém o pegava na corrida. Não tinha muito equilíbrio, corria parecendo que ia cair, mas nunca caía. Ele chegou do Santa Cruz e se tornaria o sexto jogador com mais jogos pelo Tricolor, com 499 jogos, com direito o 87 gols.

 

O calendário do futebol também começou a mudar. Ao invés de começar pelo Robertão e o estadual ser disputado no fim do ano, as equipes começaram disputando o torneio estadual. E novamente o São Paulo viu o Santos ser campeão. No Robertão, apenas o sexto lugar do grupo B foi a posição do São Paulo.

 

Em 1969, o São Paulo fez algo que não fazia há muito tempo. Com o Morumbi praticamente construído, a equipe fez duas grandes contratações.

 

A primeira foi Gérson. O maior lançador da história do futebol brasileiro chegou no segundo semestre de 1969, vindo do Botafogo. O outro, o goleador Toninho Guerreiro, que veio do maravilhoso time do Santos. Sabia tudo de futebol. Tinha bom drible, era muito forte, corria como ninguém, bom cabeceio, bom chute e uma raça fora do normal. Daí o apelido de Guerreiro. E ainda tinha sido tri campeão consecutivo pelo Santos, em 67, 68 e 69.