Um Grande Sonho

“O feijão ou o sonho? A incerteza de uma paixão ou a tranqüilidade de uma relação constante? A cigarra ou a formiga? O jogador – bom jogador, ótimo jogador ás vezes – que nunca se machuca, nunca faz o estádio vibrar e nunca erra, ou o craque? Aquele que faz o torcedor reconhecer que deveria pagar outro ingresso por aqueles segundos em que a jogada imprevista, imprevisível e maravilhosa o fez orgulho de torcer por aquele time?” Luís Augusto Simon e Marcelo Prado

 

O São Paulo da década de 50 teve gente dos dois tipos. Jogadores que nunca erraram ou se machucaram, e se firmaram por um longo tempo sem permitir sustos á torcida, como Poy e De Sordi, e craques, que derramaram lágrimas com seus dribles, passes, chutes, lançamentos, cruzamentos. Mestre Ziza foi assim.

 

E teve até gente que foi as duas coisas. Jogou por um longo tempo, sem dar sustos á torcida, e sempre de forma surpreendente. Canhoteiro é um bom exemplo.de 1954 a 1963 foi dono da ponta esquerda. Aquele pequeno terreno era seu. O maranhense de Coroatá fez pela esquerda o que Garrincha fez pela direita.

 

Tem até uma história sobre Canhoteiro parecida com uma de Garrincha. Em seu primeiro treino, Turcão, lateral recém contratado junto ao Santos, recebeu ordens para não bater, como era seu estilo, no ponta franzino que fazia seu primeiro treino. No fim, o humilhado Turcão disse aos repórteres: “Não acertei o garoto por que não consegui chegar perto dele. Ele passou como quis.”

 

Algo parecido aconteceu com Garrincha em seu primeiro treino pelo Botafogo. Marcado pelo mito Nilton Santos, o lateral pediu á diretoria para contrata-lo imediatamente, pois não gostaria de ser humilhado pelo ponta em pleno Maracanã.

 

Canhoteiro inventou o drible solavanco. Girava a cintura de um lado para o outro e saía pela esquerda. Driblava com um olho no marcador e outro em Gino Orlando, forte e impiedoso artilheiro sempre postado na área. O cruzamento perfeito de Canhoteiro ajudou-o a fazer 237 gols em 447 jogos pelo São Paulo. Na seleção, nunca se firmou. Não queria ser reconhecido. Gostava mais do São Paulo. Tinha uma vida boêmia e nunca se preocupou com dinheiro. Quando se aposentou, foi trabalhar no Banespa, servindo café. Morreu de AVC em 1974.

 

Canhoteiro, que já era ídolo com seus dribles, passou a fazer ainda mais gols com a chegada de Bela Guttman, técnico do Honved, base da maravilhosa seleção vice campeã mundial em 54. Em 56, houve uma rebelião contra o comunismo soviético, e tropas invadiram o país para sufoca-la. Os jogadores do Honved, que apoiavam a rebelião, estavam em uma excursão na Espanha, e ficaram por lá mesmo. Foram suspensos por 1 ano e meio da FIFA. E a FIFA, atendendo a um pedido da Federação Húngara, deixou de reconhecer o Honved em março de 57.

 

Impressionado pelo bom futebol do Honved, o São Paulo contratou o consagrado técnico húngaro. Ele começou a reformular o futebol brasileiro, ao trocar o 2-3-5 que todo time usava pelo surpreendente 4-2-4, formação muito defensiva na época. Feola, dirigente do São Paulo, foi chamado para a Seleção Brasileira, utilizando-se do 4-2-4. O Brasil, pela primeira vez campeão do mundo, teve o dedo de Bela Guttman.

 

Além do esquema, o húngaro inovou com métodos de treinamento. Pintava números na parede e gritava para o jogador em qual número a bola deveria chegar. Foi assim que Canhoteiro melhorou seu rendimento, fazendo 104 gols em mais de 400 jogos.

 

O início de Bela no São Paulo não foi bom. Perdeu por 2 a 1 do Botafogo, com gol de Dino Sani, um volante de boa marcação, bom passe, técnica invejável e cobranças de faltas magníficas. Ele seria campeão mundial pela seleção no ano seguinte. Mas uma contusão no meio da Copa fez com que seu lugar fosse passado a Zito, bem menos técnico, mas que cumpriu bem o papel. Em seguida, foram três vitórias, mais três empates, outra vitória, mais um empate e três derrotas. O time não engrenava.

 

E assim como na década de 40, a diretoria saiu á procura de um meia veterano, experiente, de bom passe, que deixasse os companheiros na cara do gol. Foi assim que Mestre Ziza chegou ao São Paulo.

 

“Zizinho era meu maior ídolo e inspiração. Era um jogador completo.”

“Recebi de Zizinho o bastão de organizador do meio campo da seleção. Acho que cheguei perto dele.“

 

As duas frases acima foram proferidas por duas lendas. A primeira foi pronunciada por ele, sua santidade, o Rei Pelé. O autor da segunda frase era um meia elegante, esguio, manco, o Príncipe Etíope, o craque da Copa de 1958, o inventor da Folha-Seca, Valdir Pereira, o Didi. Só por isso, Tomás Soares da Silva já deveria estar no rol dos imortais. E está, embora a glória máxima da carreira lhe tenha escapado por um fio em 1950.

 

Antes do São Paulo, Zizinho defendia o Bangu, onde sentiu na pele a dureza de ser campeão por um pequeno time, já que os árbitros estavam sempre prontos a favorecer os grandes da capital. Apesar de estar bem no time, o Bangu resolveu vende-lo. O primeiro interessado foi o Botafogo, onde jogava seu grande amigo, a Enciclopédia, Nilton Santos.

 

Nilton chegou a implorar pela contratação do meia, mas ficou sabendo que isso seria impossível, pois durante o campeonato Carioca de 1948, Zizinho cometeu a indelicadeza de chutar o mascote do time, o cachorro Biribinha. Entretanto, os botafoguenses juram que isso é pura lenda, que Zizinho só foi para o São Paulo por que este se dispôs a pagar a fortuna de 1,2 milhão de cruzeiros pedidos pelo Bangu.

 

Aos 36 anos, Zizinho chegou para ser o cérebro do time que tinha Poy, De Sordi, Mauro Ramos, Dino Sani, Gino, Maurinho e Canhoteiro. Jogar ao lado de Canhoteiro, aliás, foi a maior honra de sua vida.

 

“Eu ficava maluco com os dribles que ele executava. Ele deixava o Djalma Santos apavorado! Eu não entendia como ele não era convocado para a seleção. Falava dele, mas ninguém me acreditava. Ele parecia um Garrincha canhoto!”

 

Zizinho chegou sob desconfiança, mas logo mostrou seu valor. Chegou a golear o Santos de Pelé e Pepe por 6 a 2. Chegou á última rodada. Enfrentaria o Corinthians. O vencedor seria o campeão. O empate levava os dois para um triangular com o Santos.

 

Foi um jogo disputado. Gino e Luizinho se estranharam bastante. O jogo estava em dois a um quando Maurinho foi protagonista de uma cena inesquecível.

 

Antes, é preciso lembrar que Maurinho era o mais rápido jogador brasileiro daquela época. Seu apelido de Flecha era merecido. Pois bem. Em um contra ataque, Maurinho saiu driblando todo mundo, e ao ficar cara a cara com Gilmar, disse: “Em que canto você quer?” Ele fez o gol e o irritado Gilmar saiu correndo atrás do ponta direita, mas quem conseguiria alcança-lo?

 

Foi o único título de Zizinho pelo São Paulo. No ano seguinte, se aposentaria. Foram 66 jogos e 27 gols. Mas a década de 50 não pode ser contada apenas com esse título.

 

Em 1953, o São Paulo iniciou o campeonato Paulista com uma defesa intransponível.

 

Se Zizinho, Canhoteiro, Bela Guttman e Mauro Ramos são craques, De Sordi é um discreto salvador. Era um marcador implacável. Tinha apenas 1,70 m de altura, mas se o assunto era jogo aéreo, ganhava todas. Tinha noção exata de distância e conseguia brecar pontas de alto nível, com carrinhos precisos.

 

De Sordi atuou 501 vezes pelo São Paulo, sendo que jamais fez um gol com a camisa tricolor. Prova de que seu forte era mesmo a defesa. O lateral do São Paulo foi campeão do Mundo em 58. Jogou as cinco primeiras partidas, mas dores musculares o tiraram da decisão. Djalma Santos jogou a final e ganhou toda a fama do mundo.

 

Na estréia do Paulistão, 6 a 1 em cima do Comercial da Capital. Depois, 3 a 0 no XV de Jaú e 1 a 1 com o XV de Piracicaba. Depois, quinze vitórias seguidas. E quem a tirou do São Paulo foi o CA Linense, que o goleou por 4 a 1 na 20ª rodada. Mais duas goleadas, dessa vez a favor do São Paulo, antes da derrota por 1 a 0 para a Portuguesa, de Juninho Botelho, craque da Seleção no Mundial de 54. Na 26ª rodada, o São Paulo já tinha chances de ser campeão antecipadamente. Para isso, precisava derrotar o Santos na Vila Belmiro e torcer para o Palmeiras não ganhar no duelo com a Portuguesa. Na Vila, o SPFC venceu por 3 a 1, enquanto o Palmeiras empatou com a Portuguesa por 2 a 2. Depois disso, a prioridade do São Paulo começou a ser construir um grande estádio, tão grande quanto seus sonhos. Efoi esse sonho que fez com que até 1970 o São Paulo conquistasse só mais um título. Aquele com Mestre Ziza.